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Rodatetos imediatos de terceiro grau #7


Por Carolina Mendes


Era uma vez o rodapé.

Ele vivia na dele, fazendo a transição entre piso e parede, acomodando o fio do telefone e evitando que a sujeira arruinasse as paredes. Ele era humilde, ele fazia o trabalho dele, ele tava presente nos lares do Brasil. Independente de classe social, e da Casa Cláudia aprovar ou não. Rodapé era amigo das vassouras, dos pés dos móveis, e dos panos úmidos enrolados nos rodos. Um lindo, esse rapaz rodapé.

Mas um dia ele se cansou, e aproveitou a onda de paredes coloridas para se reinventar. Subiu como quem não queria nada e ficou ali, sendo rodateto.

Até aí tudo bem, dava um acabamento, facilitava a coisa quando parede e teto tinham cores diferentes, e não criava problema nenhum. Uma belezinha. Dava um passinho pra frente e se afastava pra cobrir o trilho da cortina. Tudo com boa vontade e desprendimento. Ficava ali olhando as pessoas do alto, intocável, lindo e imaculado. Até que conheceu um gesseiro, que vendeu para ele a idéia de poder e glamour nunca antes imaginados.

Prometeu lindas decoradoras, luzinhas de led, dimmers, spots embutidos, neon, Vegas, shoppings, motéis, mostras de decoração e muita riqueza. Só tinta de primeira linha, móveis planejados, lareira pintada com efeito marmorizado, donos e festas incríveis. E o rodateto entrou nessa. Foi mudando, foi crescendo, foi perdendo o jeito humilde e saiu do cantinho.

Mudou de nome e começou a se impor.

Sancas decorativas, ou como eu carinhosamente chamo: UÓ.

Ah sim, claro. Vem a turma do "não pode generalizar", "tudo com bom gosto é uma maravilha", "eu tenho e você é babaca". Sim, sou babaca, generalizo e esse troço TENDE à desgraça. Como bêbado: pode ser que de fato você seja um dos 3 bêbados do mundo que são legais, mas provavelmente não é, e esteja sempre sendo só chato para caralho.


Sancas com neon colorido, ou led que muda de cor, ou em formato de qualquer coisa que não o do cômodo que a abriga: instantâneamente me sinto em Las Vegas. Não que exista nada de errado com Las Vegas. É um lugar bacana, divertido, onde o jogo de azar e a bebida são liberados. Acho até que ninguém repara na escrotidão aquitetônica que tá lá no teto. Ou repara só quando chega no hotel, e dá de cara com aquela decoração que arranca a pessoa da realidade. Maaaas no Brasil são proibidos jogos de azar, então a menos que você ache bacana morar em um cassino clandestino, não faça isso.


Luzes embutidas: tem um povo que atinge um exagero tão grande que eu me sinto debaixo da nave de "Contatos imediatos de terceiro grau". Super agradável se você for Kátia, a cega. Só frequentável com óculos de sol e protetor solar, e musiquinha.

E a gente ainda não chegou na parte que mais me apavora: esse povo que usa a sanca de gesso pra subdividir a sala. Sério, só eu pensei nisso? Sujeito faz uma sanca que acompanha a posição dos móveis, aí se um dia muda um sofá de lugar, fica tudo fora de esquadro. Meu TOC não dá conta de viver assim, não.

Rodateto, seu lindo, esquece esse tal de gesseiro e volta pra meia luz. Tá tudo bem, a gente liga um abajur aqui embaixo. Larga essa vida de sanca. Sanca é uma franja feia num rosto bonito: pra que estragar o que tava bom?

Carolina Mendes é paulistana, escritora e implicante.
Rodatetos imediatos de terceiro grau #7 Reviewed by vivianne pontes on 13:38 Rating: 5

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